É, aquele nosso velho jardim, onde eu por vezes passei por você e não te notei. Notei?
Talvez, de relance, tenha eu vislumbrado alguma parcela do que você se tornaria. Ali, naquele olhar rápido que me gerou uma curiosidade e um sorriso imaginativo, como que tentando adivinhar suas trajetórias.
Foi quando o meu melhor amigo intercedeu. Nosso melhor amigo, o jardineiro, que com invejável amor cuidou e renovou do jardim com seus testemunhos para quem quisesse lhe ouvir. Enquanto eu me preparava pra dizer adeus ao recanto e refúgio de minha vida ainda em constituição, eis que ele apelava pra me relembrar como amava nosso jardim. E dizia, com felicidade que parecia não lhe caber no rosto:
"Vê este botão?"
Só então percebi. Você. Ainda um botão. Mas o jardineiro, visionário, ia além.
"Vai ser uma rosa de todas as cores."
Demorei, e muito, pra tentar entender o que ele queria dizer com tal analogia. Esgotando-se os recursos em minha mente e meu coração para adivinhar os segredos desta frase, e sendo você um botão que me chamava a atenção não mais apenas pelo jardineiro, mas por mim mesmo, decidi-me.
O acaso quis que, num dos meus retornos ao jardim, você viesse a meu encontro. Estava a ponto de desabrochar. Por um segundo, e neste segundo apenas, pareci entender algo do que ele queria me dizer. Não tive a dimensão do que era, mas a sensação fora certeira e de um tanto quanto familiar. E como dizia a música que eu cantava naquele momento, eu não poderia esquecer quando nem onde isso aconteceu.
Que bom foi pra mim você identificá-la, e expressar alegria em ouvi-la.
Então nos conhecemos de verdade, afinal. Há de convir que devo tê-la assustado. Atrapalhado e ao mesmo tempo original, meu jeito diferente que não se vê por aí de alguma forma lhe botou pra pensar. Provavelmente pensando o quão curiosa aquela conversa tinha sido, e o quanto maluco o sujeito que vos fala parecia. Sem dúvida queixou-se ao jardineiro, indagando como era possível que ele deixasse livre o trânsito aos errantes - cuja noção é discutível - para passarem tão rente a seu botão que tanto prezava.
Fosse lá como fosse, o botão desabrochou no mesmo passo ao qual me apeguei a ele. Só aí, então, fez-se luz nos meus pensamentos. Compreendi, em cada sílaba e cada pausada vírgula, a magia do que ele previra. Finalmente fez-se clara para mim a verdadeira dimensão da sua beleza e das cores, estampadas com zelo em suas pétalas, minha rosa.
Dito tudo isso, não poderia eu, sob hipótese alguma, manter-me inerte à qualquer aflição que lhe paira no céu. Ao menor sinal do desbotar de qualquer tonalidade que te tinge, seria capaz de trazer-lhe 3 sóis, água cristalina e a terra mais fértil apenas para que você se superasse e novamente fosse a flor que conheço em seus sorrisos. E isto apenas para começar.
Se não fosse o suficiente, apelaria eu ao nosso jardineiro, que bem mais do que eu possa sonhar saber, sabe como cuidar de verdade de você, desde botão.
E se ainda assim, tudo o que foi dito e suposto e feito não surtir efeito, então - e só então - aceito a tarefa de separar-lhe de toda a vegetação, guardá-la no caderno da folha mais macia e branca, para que ali registre toda intensidade de suas cores. Forma essa que suprirá a minha memória quando esta quiser falhar-me e não acreditarem no meu testemunho sobre você. E só o faria se tivesse a garantia, das mais seguras e confiáveis fontes cósmicas, de que no jardim da existência e não só o nosso, viria alguma rosa digna do seu lugar.
Portanto, conte comigo para espantar essa tristeza, tão pouca perto de você. Não tema tanto - pois sei que sempre haverá um frio na barriga - o futuro e os próximos passos, que sei que não só pode dá-los como os dará com êxito. Aprendi isso no nosso jardim, bem como você o aprendeu. Que essa confiança resida em você, para impulsionar seu perfume além-mar, aonde nem em seus sonhos mais viajados possa ter imaginado a si própria. Que seja ainda você como é, que inspire a outros como a mim. De resto, a história contará o que você escrever.