Hey, você aí

Não, não quero seu dinheiro.
Estava mais pra dizer 'Hey Jude', ou algo assim.
Bom, este blog é sobre mim. Não apenas eu, mas o que penso, sinto, etc. Já foi meio invasivo, já foi vazio. E no fundo ainda é legal, pra mim. Meu cantinho de desabafo e filosofia, se assim posso dizer.
Eu sou um livro aberto. O que quiser saber, pode achar aqui. E o que não conseguir, é porque ainda vamos nos esbarrar por esta vida irônica.

The Beatles

The Beatles
Abbey Road

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Ei-la, rosa

Faz pouco tempo, estivemos juntos no nosso jardim.

É, aquele nosso velho jardim, onde eu por vezes passei por você e não te notei. Notei?
Talvez, de relance, tenha eu vislumbrado alguma parcela do que você se tornaria. Ali, naquele olhar rápido que me gerou uma curiosidade e um sorriso imaginativo, como que tentando adivinhar suas trajetórias.


Foi quando o meu melhor amigo intercedeu. Nosso melhor amigo, o jardineiro, que com invejável amor cuidou e renovou do jardim com seus testemunhos para quem quisesse lhe ouvir. Enquanto eu me preparava pra dizer adeus ao recanto e refúgio de minha vida ainda em constituição, eis que ele apelava pra me relembrar como amava nosso jardim. E dizia, com felicidade que parecia não lhe caber no rosto:

"Vê este botão?"

Só então percebi. Você. Ainda um botão. Mas o jardineiro, visionário, ia além.

"Vai ser uma rosa de todas as cores."

Demorei, e muito, pra tentar entender o que ele queria dizer com tal analogia. Esgotando-se os recursos em minha mente e meu coração para adivinhar os segredos desta frase, e sendo você um botão que me chamava a atenção não mais apenas pelo jardineiro, mas por mim mesmo, decidi-me. 

O acaso quis que, num dos meus retornos ao jardim, você viesse a meu encontro. Estava a ponto de desabrochar. Por um segundo, e neste segundo apenas, pareci entender algo do que ele queria me dizer. Não tive a dimensão do que era, mas a sensação fora certeira e de um tanto quanto familiar. E como dizia a música que eu cantava naquele momento, eu não poderia esquecer quando nem onde isso aconteceu. 
Que bom foi pra mim você identificá-la, e expressar alegria em ouvi-la.

Então nos conhecemos de verdade, afinal. Há de convir que devo tê-la assustado. Atrapalhado e ao mesmo tempo original, meu jeito diferente que não se vê por aí de alguma forma lhe botou pra pensar. Provavelmente pensando o quão curiosa aquela conversa tinha sido, e o quanto maluco o sujeito que vos fala parecia. Sem dúvida queixou-se ao jardineiro, indagando como era possível que ele deixasse livre o trânsito aos errantes - cuja noção é discutível - para passarem tão rente a seu botão que tanto prezava. 

Fosse lá como fosse, o botão desabrochou no mesmo passo ao qual me apeguei a ele. Só aí, então, fez-se luz nos meus pensamentos. Compreendi, em cada sílaba e cada pausada vírgula, a magia do que ele previra. Finalmente fez-se clara para mim a verdadeira dimensão da sua beleza e das cores, estampadas com zelo em suas pétalas, minha rosa.



Conheci seu bom humor fácil, contrastando com sua capacidade inata de temer o que seu perfume poderia alcançar. Amei seu charme de se envolver de mistério, se fazer difícil de ler. E talvez por isso tenha eu aprendido a lê-la no fundo de seus olhos. E assumo certa paralisia ante sua beleza, por vezes, à qual ainda não me acostumei por completo dada a singularidade própria. Senti sua vontade de mudar as coisas, tive e tenho seu carinho sincero como valor inestimável ao qual já não sou capaz de me imaginar sem. Dividi com você todo o meu passado, todas as histórias cômicas e irônicas que me definiram como sou. Estou a sua disposição no presente e não tenho pressa para o futuro, que ainda é longo, e para você mais que a mim. Há tanto e tanto pela frente que seria injusto de minha parte colocar-me como ponto atuante das conquistas e vivências que terá pelo caminho. Mas já faz jus, hoje, dizer que você está garantida nas minhas no que depender de mim. Aprendi tanto ao seu lado em tão pouco tempo, que me sinto mais humano, até mais eu mesmo. És a rosa de todas as cores porque em você estão todos os sentimentos nobres que fazem algum ser humano parecer importante perante o universo fatal. Está tudo em você. Na forma que fala, no jeito que anda, e até no sorriso mais discreto. As cores ficam pra trás como rastro, pois fazes do arco-íris nova definição, mero adorno da sua aura. 

Dito tudo isso, não poderia eu, sob hipótese alguma, manter-me inerte à qualquer aflição que lhe paira no céu. Ao menor sinal do desbotar de qualquer tonalidade que te tinge, seria capaz de trazer-lhe 3 sóis, água cristalina e a terra mais fértil apenas para que você se superasse e novamente fosse a flor que conheço em seus sorrisos. E isto apenas para começar.
Se não fosse o suficiente, apelaria eu ao nosso jardineiro, que bem mais do que eu possa sonhar saber, sabe como cuidar de verdade de você, desde botão.
E se ainda assim, tudo o que foi dito e suposto e feito não surtir efeito, então - e só então - aceito a tarefa de separar-lhe de toda a vegetação, guardá-la no caderno da folha mais macia e branca, para que ali registre toda intensidade de suas cores. Forma essa que suprirá a minha memória quando esta quiser falhar-me e não acreditarem no meu testemunho sobre você. E só o faria se tivesse a garantia, das mais seguras e confiáveis fontes cósmicas, de que no jardim da existência e não só o nosso, viria alguma rosa digna do seu lugar.

Portanto, conte comigo para espantar essa tristeza, tão pouca perto de você. Não tema tanto - pois sei que sempre haverá um frio na barriga - o futuro e os próximos passos, que sei que não só pode dá-los como os dará com êxito. Aprendi isso no nosso jardim, bem como você o aprendeu. Que essa confiança resida em você, para impulsionar seu perfume além-mar, aonde nem em seus sonhos mais viajados possa ter imaginado a si própria. Que seja ainda você como é, que inspire a outros como a mim. De resto, a história contará o que você escrever.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Ciclo da vida em São Cristóvão

Tomo cá a liberdade, parafraseando o discurso de um grande professor de biologia do qual tive a honra de ser seu aluno, de enunciar como a vida se desenrola breve e infinita naquele pedaço da Zona Norte, em meio a pequenos encontros.

Uma vez mais, retornei pelo trajeto já mecanizado na mente, ao lugar que mudou tudo na minha vida. Saltei do ônibus - que curiosamente nunca havia feito aquele caminho tão rápido, parecendo adivinhar a urgência da minha saudade - com o sorriso de satisfação típico de quem parecia vencer uma maratona. "O bom filho, à casa torna."

Ainda não havia viva alma para a cerimônia. Seguranças, alguns prováveis empregados da empresa contratada para o evento. Nenhum aluno, vulgo ex-aluno (por mais que adiassem este momento a todo custo), como eu. O colégio ainda tinha o mesmo ar, a mesma atmosfera de família escondida pelos muros altos e portões pesados. E ainda mais contrastante com o aspecto de estádio de futebol recém adquirido. Adentrei o recinto, sem estranhar nada. Acolhido pelo velho lugar, sentei-me num banco próximo aos bebedouros. Abro a mochila, que me acompanhara apenas como justificativa para que minha mãe não suspeitasse que eu mataria o curso de inglês.
Não podia haver causa mais nobre.

Puxei um livro que ainda não terminei. "Os três mosqueteiros." Não podia ser mais apropriado. Que livro mais poderia falar tão bem sobre amizade e coragem, coisas essas que aprendi a viver de verdade no Pedro II?

O tempo foi passando. Os rostos foram chegando, os rostos já não tão novos. Gente com quem cresci junto e estava por dar fim a seu ciclo por lá. Outros que conheci recentemente, mas por quem tenho afeto tão grande e em alguns casos tão profundo que não podia deixar de estar presente para prestigiá-los. O que é a vida de aluno do CP2, se não conhecer pessoas que eram de lá muito depois de sair. Irônico. Podia ter sido lá mesmo. Mas não, o colégio tinha que guardar mais motivos para agradecê-lo por sua presença em minha vida anos mais tarde. E sei que não sou o único a desfrutar dessa graça. 

Cada um transmitia pra mim, em cada abraço e beijo de cumprimento, a tensão que eu sentira anos atrás. A vontade de olhar pra frente, o orgulho do que fora feito no passado. E a dor da despedida, tão próxima e cada vez mais conforme os segundos passavam. Às vezes o abraço durava muito, não apenas pelo sentimento de querer alguém bem, mas como se me dissessem: "não acredito que vai acabar. Prende-me aqui, não deixa o tempo passar."

Quisera eu poder fazer isso por alguém. Quisera que pudessem fazê-lo por mim, quando em mim bateu este desejo fulminante. Mas da forma que bate, é a mesma com que se vai, dado que - citando agora o lindo texto feito por uma amiga a quem devo uma ou muitas rosas e outros colegas seus - o colégio nos ensina a voar sozinhos. Seria no mínimo ingratidão, e até pecado, não usá-las adequadamente. Temos permissão pra voltar, mas só se pudermos dizer que o que aprendemos ali nos valeu de algo. Valeu pra ser uma pessoa melhor, valeu pra alcançar o que antes era impossível, valeu pra sentir o que não seria crível. 

Eu sempre volto podendo dizer isso. Saí já com essa convicção. E creio que, como eu, todos ali presentes, também o fizeram. Cada um à sua maneira.

E cada um à sua maneira também tiveram as mais extremas e variantes reações quando o anúncio oficial estava feito. Via-se o choro que se fundia em sorrisos. As lágrimas, gritadas com pulsar de alegria, não pesavam pra cair dos olhos dos corações mais fortalecidos. Que dirá dos manteigas derretidas como eu, que se balançam pela simples memória. Imagine então presente ali, ouvindo as mesmas palavras que fecharam um ciclo e deram começo a outro. Ah, quem me julgar por isso é pessoa triste, que sem dúvida não teve esse nosso privilégio na vida de estudar lá.

Estudar, crescer, viver. Adivinhei o ciclo dos outros. Muitos me envolviam. Outros passavam longe. Mas há um quê de mágico em rever rostos com os quais jamais interagi de verdade. O simples fato de revê-los remete ao tempo em que os via com a frequência necessária para que hoje eu os reconhecesse. "É aquela pessoa, que ficava mais ou menos ali naquele corredor com os amigos dela, quando eu passava com os meus. Já aquele ali ficava sempre em tal pilastra do pátio, e tudo o mais.."

Quantas histórias que contamos começam assim?




Professores e funcionários são um capítulo a parte. Em sua esmagadora maioria, eram mais que isso. Conselheiros, quase pais, cada um com seu grau de envolvimento e marca própria. Homenageados com toda a pompa e merecimento, até menos do que deveria ser. Meu Deus, como ri relembrando a "dança do gongolo". E como fiquei desolado ao saber de fontes seguras que em breve o grande Theo vai se aposentar. Alguém me explica como será possível alguém passar pelo Pedro II sem saber o que significa "Fala Dom"?

Tudo era vida. Cada segundo passava devagar, e o que dizer dos segundos de certo discurso mal feito sobre o Dom Pedro II então quanto a isso...
Mas acabado o suplício, o turno da manhã estaria formado. E pouco depois, o da tarde. 

Gafes, emoções, coros. Ao passo que interagia, eu mesmo me prendia em meus pensamentos. Memórias que afirmavam o caminho percorrido com vivacidade. Histórias que me definiam como sou. Quando me achava perdido nesses caminhos do imaginário, algo me puxava de volta ao cenário presente, até pela urgência de que nada se perdesse na vivência do momento. E nada poderia passar desapercebido, eu queria sentir até o cheiro das brisas impregnadas de esperança que vinham atingir o pátio. 

Brisas metafóricas, dado o calor. Calor intenso, que ignorava. O colégio me fizera parar de senti-lo, especialmente nas pernas, por causa do uniforme. Hoje terão, os mais novos, ar condicionado. Ar pelo qual fui brigar na rua junto com os atuais formandos. E dizem que não temos garra. Definitivamente não conhecem nossa força.

Política a parte, o calor só aumentava. Calor humano. Despedidas longas, choradas, mas nunca tristes. Discretas em alguns casos, mas igualmente intensas. E pra cada despedida, um novo reencontro que se espera, e uma nova pessoa que se conhece. Ao interagir com amigos e certos terceiros que não conhecia, ouvi por algumas vezes "hmm, o famoso Calvin" após me apresentar. O legado estava vivo. Muitas razões pra isso. Cada uma bem conhecida de quem participou. E dado um novo contato, um novo motivo pra voltar. Tudo funciona perfeitamente. Não há maneira de deixá-lo por completo, jamais.

Calor forte, que bate no coração. Coração que não mais pulsa, é um bloco de carnaval quando se está no Pedro II. 

E se amor por lá é tudo, amor de lá é mais uma história a parte. Especialmente quando o assunto sou eu. Vale tanto cruzar com namorada antiga que em simpatia inesperada até me elogia (embora soasse perfeito para um dia como esse, tá aí uma memória que apenas com memória deve permanecer), quanto estar o tempo todo ao lado de alguém que lhe chama muito a atenção e que pra visão de uma fotógrafa muito inteligente deveria ser minha namorada. 

"Quem me dera" eu disse. Também é o que pensei na hora. "Fotógrafa épica, adivinhou até mais do que eu já em intenções projetava procurar com o tempo. Quero essa foto, farei questão."

O ciclo então se encerrou naquele dia. Peguei o ônibus pra casa, descansei pelo caminho. Descansei mais ainda no lar. Era felicidade. Conto os dias pro ciclo voltar ao começo.

Assim é a vida de um ex-aluno. Nostálgico ao lembrar-se de quando fora aluno, esperançoso pelos que ganham esse privilégio ao longo dos anos. Saudosista, fiel às amizades lá feitas. Romântico, que se não se viu amoroso por lá depois o será com quem por lá esteve. Idealista, lutando por algo melhor para si e quem lhe cerca. Corajoso pra voar. 
E sim, voltar!