Eu queria que meus olhos fossem uma câmera.
Já era uma vontade antiga, mas tenho tido motivos pra desejar com mais força.
Eu queria que meus olhos pudessem registrar pro mundo o que vejo. Fosse uma foto, fosse um vídeo. Certas coisas e momentos são tão intensos e diferenciados que são capazes de comover e causar alguma reação que seja no mais ranzinza que responda à alcunha de ser humano.
Uma paisagem, um gesto. Um abraço entre amigos que há muito tempo não se viam. Um tropeço na rua seguido de rara recuperação rápida. Um pássaro de plumagem brilhante que irrompe entre as árvores em instante inesperado. Um por do sol visto da praia certa, com a companhia certa.
Ah, definitivamente, é a companhia que tem me feito desejar a câmera com tanto afinco.
O sorriso dela quando chega e me vê. A forma com que me olha, preocupada, pensando se não atrasou muito.
O momento quando damos as mãos e alinhamos nossos corpos, milimetricamente desenvolvidos pra se encaixarem. Eu acho que já morri e revivi centenas de vezes a cada vez que encostamos nossas testas, levemente, e ela fecha os olhos antes de tocar-me os lábios.
Simplesmente ficar deitado no seu colo. Vê-la alinhada com o céu, o sol e as folhagens, e ser tão grande e maior que tudo isso à minha vista. Deitar-me e ter seus olhos para encarar.
Minto. Talvez eu não queira uma câmera no lugar dos meus olhos. Não quero, porque se o mundo for exposto ao que ela me proporciona, vai tentar tirá-la de mim.
E isso eu não poderia tolerar.
Recado de Beto Guedes
Há 3 anos