Hey, você aí

Não, não quero seu dinheiro.
Estava mais pra dizer 'Hey Jude', ou algo assim.
Bom, este blog é sobre mim. Não apenas eu, mas o que penso, sinto, etc. Já foi meio invasivo, já foi vazio. E no fundo ainda é legal, pra mim. Meu cantinho de desabafo e filosofia, se assim posso dizer.
Eu sou um livro aberto. O que quiser saber, pode achar aqui. E o que não conseguir, é porque ainda vamos nos esbarrar por esta vida irônica.

The Beatles

The Beatles
Abbey Road

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Correndo das loucas

Batem à porta.

Ele sai de seu sofá, calmamente, após um café bem tomado que já sucedia uma noite muito bem dormida. Estava de bom humor. Não podia não estar.

"Oi, quem é?"
"É ELE!" - dispara uma mulher claramente exaltada, apontando pro dono da casa. 

Um policial força a entrada e o prende na parede. Apesar da força do agente da lei, o acusado consegue escorregar pra dentro, e com os braços levantados argumenta:

"Eu o quê? Quê que eu fiz?"
"VOCÊ QUE ME CANTOU NA FRENTE DO MEU NAMORADO!! ASSÉDIO!"
"EU? EU NEM TE CONHEÇO DONA!"
"Menos papo e mais xilindró rapaz. Ela é minha amiga e você fez merda."
"Como assim? Eu não conheço essa doida."
"ASSÉDIO MORAL AGORA TAMBÉM?"
"Cala a boca seu abusado, eu tô armado."
"HEY HEY HEY, QUE ISSO? Você nem sequer tem um mandato, cara! E isso sequer foi flagrante. E novamente: NEM ACONTECEU!"
"Mandato o caralho, pode vir pro camburão."
"Vou ligar pro meu advogado. Amigo do delegado daqui, seu superior. Pode ser?"

O policial dá pra trás um segundo. A acusadora, ainda berrando, fica histérica com a indecisão:

"FOI ELE! EU TÔ DIZENDO!"
"Você tem certeza que foi ele?"
"SIM! ELE FOI IDIOTA O SUFICIENTE DE ME DAR RECADINHO COM ENDEREÇO!"
"Ahhhhh rapaz, que mole foi esse, hein?"
"Deixa eu ver isso."
"NÃO! É A VERDADE! JÁ ERA!"
"Calma. Ele pode ver. Não vai mudar nada mesmo."

O policial estende o cartão, com um sorriso no rosto. O acusado lê e retruca:

"É a casa do lado."
"QUÊ?"
"Tá surda de tanto gritar? É a casa do lado. O número é o mesmo porque isso era uma casa só. Foi dividida tempos atrás e ninguém mudou os números no registro. Eu ia pendurar hoje uma placa pra diferenciar, tava até pra começar agora a fazer a placa e.."
"Peraí, SÉRIO?"
"É parceiro."
"MAS EU SEI QUE FOI ELE. EU VI!!"
"Você devia estar bêbada. Eu nunca te vi."
"MAS ERA VOCÊ, ESTAVA NO BAR ONTEM!"
"Eu não fui em bar nenhum e você pode perguntar pra minha namorada que está ali dormindo no quarto. Ou estava, né. Mas já que você estava num bar, deve ter ido com 2 amigos além do namorado né."
"COMO É?"
"Chapou e Muito, teus amigos po."
"Já deu piadista. Estamos indo."
"Já deu uma conversa. E essa entrada criminosa na minha casa? E essa acusação?"
"Não força a barra. Fosse no morro você já tava quebrando na mala."

Silêncio forte na consciência. O policial vai bater na casa ao lado, com a moça exaltada tentando lembrar se havia bebido demais. Já ele, senta de volta ao sofá. A namorada havia acordado, mas não prestara atenção em nada. Ele abriu um vinho e começou a contar.
Riram muito. Mais ainda porque ele esqueceu de avisar ao policial que a casa do lado havia sido transformada num salão de beleza. O provável abusado real culpado do assédio não devia ser nada mais que o cabeleireiro da moça, e isso seria um barraco engraçado de assistir.

Poucas horas depois, ele resolve sair. Devia fazer umas compras, e procurar também alguma ideia pra comprar presentes de Natal. Já era tempo disso. 
Gosta de pegar ônibus, se interessa pelos tipos humanos que aparecem e interagem. Já pela volta, olha pela janela do ônibus e nota as pessoas subindo no seu. 
Uma delas era a ex.

"É HOJE QUE ME MATAM!"- pensou, pois a ex não era uma pessoa equilibrada em sua memória. E o término havia sido bem traumático e nada digno. Baixou a cabeça na vã esperança de que não fosse reconhecido. Surpreendentemente, funcionou.
Só que ela se sentou exatamente no banco em frente ao dele. Parecia brincadeira do destino. A julgar pelo histórico, bem possível. 
Pensou em estratégias de como se manter despercebido. Nada veio à mente. O nervosismo era justificado: ela vinha de família de militares e era bem explosiva. O último encontro, também um acaso inesperado e indesejado, havia deixado claro que ela o queria morto.
Começou a rir, de tanto nervosismo. Era uma situação ridícula. Tampou a boca com força, com medo das risadas serem escutadas. Se safou novamente.
Ela levanta e finalmente o vê. Desce em disparada, claramente irritada. Ele segura o riso. Já na rua, a menina quase atropela os outros passantes. E aí ele cai na gargalhada. E não consegue parar: ela esqueceu o guarda-chuva no banco do ônibus. 

Ele retorna, ainda bem humorado, mas um tanto quanto preocupado. O absurdo resolveu voltar a aparecer como constante. "Logo agora?" É, tempos difíceis já apontavam nas notícias, no clima, no país. Lidar com isso parece até fácil, se a sorte ajudar.

Sentou novamente no sofá. A namorada, na preguiça angelical que lhe é típica, voltara a dormir. Ele olha, sorrindo. A sorte já havia ajudado. Cabia a ele ser grato e encarar o que viesse.



Baseado em fatos reais.