Hey, você aí

Não, não quero seu dinheiro.
Estava mais pra dizer 'Hey Jude', ou algo assim.
Bom, este blog é sobre mim. Não apenas eu, mas o que penso, sinto, etc. Já foi meio invasivo, já foi vazio. E no fundo ainda é legal, pra mim. Meu cantinho de desabafo e filosofia, se assim posso dizer.
Eu sou um livro aberto. O que quiser saber, pode achar aqui. E o que não conseguir, é porque ainda vamos nos esbarrar por esta vida irônica.

The Beatles

The Beatles
Abbey Road

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Thunderstorms and flashlifes

Com talvez 3 semanas, ou um mês de atraso, finalmente o verão carioca tem mostrado sua face típica. Dias de sol escaldante, bem úmidos, que assim prosseguem até as 6 da tarde: horário em que cai a chuvarada esperada da estação. 

Eu acho curioso como, no meu histórico de vida, o verão se fez importante quase que sempre. 

Quando muito novo, as chuvas de verão marcavam a proximidade das aulas. Pra mim, eram um lembrete de que eu conheceria pessoas novas, perderia velhos contatos, faria mais um pouco da minha vida nos semestres seguintes.

Criança ainda, mas com alguma consciência: lembro da separação dos meus pais e como vim parar aqui. E nessa época, eu fui apresentado ao medo irracional de chuva de boa parte da família. E isso, claro, incluía os cachorros. Porém, eu devo admitir que a casa sempre foi tão mal feita e estruturada que toda vez que bate uma chuva de verão os trovões próximos sacodem as paredes. Deve ter sido aí que passei a respeitar a natureza.

E daí, conforme o tempo foi passando, o padrão se manteve: as chuvas de verão marcaram novos começos, desilusões amorosas, o primeiro famigerado "eu te amo" que recebi, a conquista de alguns objetivos, etc etc. Em especial, as famosas águas de março batem com a maior parte desses eventos.

Ultimamente, quando a tempestade chega, eu me lembro desses eventos. Cada raio que vejo cair me lembra de algum deles, sem uma ordem ou preferência específica de lembrança. 
Comecei a pensar em como as memórias são comparáveis aos relâmpagos em velocidade e impacto. 

Quer dizer. Toda lembrança que temos é resultado de sinapses, né? Estamos falando de eletricidade dentro da gente, a começar por aí. 
Mas o meu ponto é um pouco mais lúdico. E também, mais pessoal. Sendo assim, eu não espero que outros entendam exatamente o que quero dizer. 

Enfim, a questão é que quando eu lembro desses episódios, eu penso em algo maior que em uma memória. Eu entendo a memória como uma vida que já foi. Ao menos, na linha em que vivo. 
Como se cada raio, veloz como o pensamento, me trouxesse a vida do momento que acabei por lembrar. E não como uma lembrança somente, mas como a sensação viva de pensar outros desdobramentos. Outros pontos de escape da eletricidade, e possíveis consequências.

É bem louco, mas essa energia renovadora das tempestades tanto me propõe a imaginação do que poderia ter sido como do que pode ser agora. Talvez por isso as renovações baterem com essa estação. 

Anyway, lá vem chuva. Vamos ver o que virá. 



quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

O cavaleiro e a tríade

Esta pequena "fábula" é de minha autoria, inspirada em climas medievais de sagas como O Senhor Dos Anéis. Apenas um conto que julguei divertido de imaginar e repassar. Não tenho como intenção musicá-lo ou mesmo escrever alguma série de contos a partir deste. 
Mas achei justo registrá-lo, assim mesmo. 


O cavaleiro e a tríade

Em um vilarejo distante das capitais de um país antigo, em um tempo que as ampulhetas não permitiam registrar na história, havia um jovem cavaleiro. 
Este jovem era o único cavaleiro de seu vilarejo, tendo-se endurecido como guerreiro defendendo-o das poucas mazelas que o ameaçavam vez por outra: animais selvagens, ladrões, e narram até mesmo que sozinho o jovem prodígio havia parado um comando do exército do país fronteiriço que almejava invadir seu vilarejo para começar um ataque.

Os feitos do rapaz chamaram a atenção do rei, que decidido a testá-lo, chamou-o à capital.
Receoso, o jovem enfim deixou seu vilarejo, que ficou sob guarda do mais forte batalhão do rei.

Ao chegar à capital, o rei recebeu o jovem com extrema felicidade e cortesia, oferecendo-lhe um banquete. Ao fim das festanças, o rei chamou o rapaz e lhe disse:

"Você pode ser um grande comandante no futuro. Mas eu não posso lhe empregar sem que antes você tenha sido testado. De acordo?"
"Sim, meu rei."
"Muito longe desta capital, dentro da floresta densa que se inicia ao sul, há uma trilha vigiada por espíritos antigos. Ao fim da trilha, há um grande tesouro que lhe será de muito valor. Não serão mais que algumas horas de trilha, se proceder adequadamente."
"Então meu dever é conseguir este tesouro?"
"Sim, isso mesmo. Mas fique atento: há uma tríade de espíritos que se destacam em relação aos demais na floresta. Estes três espíritos vão tentar lhe travar o caminho. Seja firme e conseguirá o tesouro, e então retorne."
"Certo, meu rei, parto agora mesmo!"

Entusiasmado, e ao mesmo tempo curioso, o jovem cavaleiro vestiu sua velha armadura e montou seu único cavalo, seguindo ao sul. Não tardou para que alcançasse a floresta, e após alguns minutos de cavalgada, achasse a trilha.
Haviam muitas trilhas na floresta, mas aquela era a única aonde as árvores curvavam suas copas para formar uma sombra impenetrável para o sol. 
Acendendo uma tocha improvisada, o cavaleiro amarrou o cavalo à árvore mais externa e seguiu viagem sozinho. A área da floresta era pequena como avisara o rei, logo voltaria à montaria.

Depois de quase 1 hora, a tocha se apagou sozinha, mas em tempo adequado: as copas ainda curvadas porém menos entrelaçadas abriam um feixe de luz forte, que atingia o ápice numa clareira próxima a um lago. Na beira do lago, havia um leão.

O leão era o maior que já havia existido naquela terra. Era provável que a clareira fosse resultado simples do seu tamanho colossal, tal que seu espreguiçar rachava as árvores mais fortes do entorno. O leão notou a presença do jovem, e virou-se para o mesmo. Depois de alguns segundos de hesitação do rapaz, ele empunhou sua espada.

"Não há necessidade disso."
"Você fala?"
"Falo e vejo que você é fraco."
"Como vê fraqueza em quem você não conhece?"
"Porque sinto o cheiro da arrogância da sua coragem ao me desafiar. Escuto o tilintar hipócrita dos seus pés, que tremem. Eu não permitirei que fracos passem por aqui. E nenhum fraco me vencerá, e você não precisa pensar pra concordar com esse fato."
"Eu não pensarei, porque pensar vai me dar mais medo."
"Então desista e dê meia volta."
"Não posso."
"Por quê um rei lhe pediu para apanhar um tesouro?"
"Não."
"O que lhe impede?"
"Meus pés. Eu tremo de medo, mas não consigo resistir à vontade de tentar. Meu pé que treme também não sai do lugar."
"Então eu atacarei."

Ao se aproximar rápido, o leão revela toda sua envergadura para o rapaz, que finca os pés mais forte ainda no chão e branda sua espada. O leão consegue se esquivar e antes de arrancar a cabeça do rapaz com uma mordida, recolhe as presas e se deita:

"Permito que passe."
"Por quê? Eu não o derrotei. E também o temi."
"A força e a coragem vem, sobretudo, de quem tem medo. E quem assume o medo é aquele que pode ter coragem pra vencê-lo, e alcançar a força que nenhum homem possui. Você não fechou os olhos diante da morte certa, e lutou contra esta. Você é forte. Deve passar."

O jovem cavaleiro fez uma reverência ao leão, que acenou de volta. Então seguiu seu rumo. 
A clareira logo foi encoberta em sua retaguarda, quando a penumbra da floresta voltou a ser forte. Apesar disso, não era necessária tocha: havia uma fumaça esverdeada que de maneira estranha emitia uma luz fosforescente. 

Após 2 horas de caminhada, todo o ar estava impregnado com a fumaça verde. O jovem se viu de frente a um pântano, onde as poucas plantas possíveis de ver tinham aparência cadavérica, sendo elas o único sinal de vida naquele ambiente. Havia um cheiro podre no ar. Então ele ouviu um barulho de arraste, que se fez alto naquele silêncio mórbido. Ao virar a cabeça para os lados, o som lhe indicou que havia algo ali se esgueirando cada vez mais próximo. Até que na sua frente, uma cobra ganhou altura apoiada em seus muitos enrolamentos. O rapaz então disse:

"Suponho que você não vai me deixar passar, também."
"Esperto para o seu tamanho. Mas nem tanto assim."
"Eu enfrentei o leão. Eu posso te enfrentar também."
"Poder você pode, meu caro. E se o leão viu em você força, então você provavelmente me matará."
"Mas...?"
"Mas, meu caro espertinho, você não tem esperteza suficiente para me combater sem levar uma picada. Você fatalmente morrerá poucos minutos depois que meu veneno entrar nas suas veias. Sua força será inútil, sua confiança será traída. E eu ainda tenho outro truque na manga."
"Que seria?"
"A fumaça que iluminou seu caminho é meu veneno, que espalho pra não ficar com sobrecarga. Veja, ele é mortal até pra mim se eu não me desfazer dele, e não é sempre que tenho aventureiros dispostos a morrer. Você o tem respirado faz horas. Não vai morrer tão cedo quanto numa picada, mas você não passará do dia seguinte."
"Então eu já estou morto?"
"Não. Se der meia volta, o ar puro fora da floresta purificará seu corpo."
"Certo. Mas eu vou ficar."
"Como eu disse, você não é inteligente. Sábios não procuram o que pode lhes matar."
"Eu não sou sábio. E eu nem sei o que estou procurando, pra ser sincero."
"E vai continuar assim mesmo?"
"Eu também não sei se você fala a verdade, e não sei se o leão me perdoaria por retornar."
"Então pode prosseguir."
"Também mudou de ideia?"
"Eu tenho amor a vida, não se engane pelo veneno no ar. E além disso, você é sábio. Confiou no julgamento do leão, e admitiu honrosamente sua ignorância quanto à maior resposta. Aquele que não teme aprender é o mais sábio. Siga."
"E o veneno no ar?"
"O ar do resto da trilha é tão puro quanto o externo à floresta. Há de purificá-lo."

Novamente, o rapaz reverencia a cobra e esta lhe acena. Ele segue em frente.

3 horas de caminhada em floresta densa, e com o terreno mais lamacento e desgastante.  Sentindo a exaustão, o jovem sentou-se em uma rocha, quando novamente estava em uma clareira. Esta clareira, entretanto, era próxima a um grande paredão rochoso, que subia até onde os olhos do jovem não podiam mais alcançar visão. 
E encostado em altura com o paredão, havia um grande e robusto carvalho. Suas raízes entravam como gigantes no solo ao redor, e pareciam dar sustento para toda a floresta. Seu tronco se encaixava perfeitamente com a largura da trilha. 
Com novo fôlego, o rapaz olhou para o carvalho, e concluiu:

"Então é este o fim da trilha? Mas com certeza não é o tesouro. Falta um espírito, segundo o aviso do rei."
"E este sou eu."
"O carvalho? Uma planta?"
"Sua falta de fé é curiosa. O que lhe fez acreditar no leão e na cobra falantes, então?"
"É, realmente faz todo o sentido."
"O que procura está numa caverna, no topo da montanha aonde me escoro."
"Então eu terei que subir em você?"
"Precisamente."
"Não seria um truque para evitar que lhe queimasse?"
"Sua falta de fé nos outros me diz que não crê nem em si mesmo, no fundo."
"Você tem razão."
"Então dê meia volta. Você tem força para me derrubar, e sabedoria pra me queimar. Mas não tem perseverança para subir até minha copa, além do que você ousa imaginar."
"Talvez eu não tenha. Mas, o leão tem fé em mim , e a cobra também. E o rei. E o meu vilarejo. Talvez eu deva ao menos tentar subir."
"Pois bem. Mas observe, eu não sou como o leão e a cobra."
"O que quer dizer?"
"Eu não sou livre em movimento, meu jovem. Mesmo que você desperte a fé em si mesmo, eu não posso lhe facilitar o caminho."
"O leão mataria o fraco, a cobra mataria o tolo. Se eu não tiver fé, não será você a me matar, será a queda. Do meu ponto de vista, você já torna as coisas mais fáceis porque não é você quem me oferece perigo. Você me oferece a solução."
"Então você acredita que pode escalar toda a minha altura e achar seu tesouro?"
"É, acho que sim."
"Desfaça-se da armadura e da espada. Só serão peso."
"Eu já planejava fazer isso."
O rapaz começa a subir.
"Como você vê, a força que te move está acabando. E a inteligência que te orienta também não é efetiva nesta altura."
"Sim."
E ele continua.
"O que te move, garoto?"
"O tesouro."
"Você não tem força para se aguentar, e não tem planos para descer. Que há nesse tesouro?"
"Eu não sei. Mas tenho certeza de que me prestará muito."
"Não há valor nesta terra que valha teu sofrimento."
"Não é ouro nem joia. Não haveria sentido."
"E por quê você acha que o seu tesouro deva fazer sentido?"
"Porque eu tenho fé nisso."
O carvalho se cala. 

Quase desmaiando, o garoto enfim chega à copa. Ao avistar a caverna, renova suas energias e corre em disparada.
Dentro da caverna, o jovem se depara com um espelho. 

Passa alguns minutos parado, sentado, descansando enquanto encara o espelho. E quando se dá conta, sorri. Sorri largo, contagiante. E volta descendo pelo carvalho. 

"O que era o seu tesouro?"
"Algo que somente eu poderia encontrar."
"E manteve a fé para encontrar. Você tem as três virtudes: a força para lutar, a inteligência para pensar e a fé para seguir. Você é digno das glórias que vier a conquistar."

O jovem achou seu cavalo na saída da floresta, galopou de volta à capital.

"Então, achou seu tesouro?"
"Sim, meu rei. E agora voltarei a meu vilarejo."
"Por quê?"
"Não seria correto abandoná-lo, meu rei."
"Eu já esperava que assim fosse. Por isso tomei a liberdade de trazer todo seu vilarejo para a capital enquanto esteve fora. Logo chegarão às nossas portas."
"Meu rei, obrigado!"

O jovem rapaz se tornou o comandante das forças do rei, e sob sua vigia, o país prosperou e manteve-se íntegro e em paz. 
Quanto ao espelho, sugou o carvalho, a cobra e o leão, que sorriam ao desaparecer. A floresta se aglutinou ainda mais, e na sua entrada surgiu o escrito:

"Ao encontrar a si, vencera o mundo."