Aquiete-se. Não perdi o arreio de minha consciência. Não estou perdendo, ainda. Você sabe de que vozes falo.
Estou aqui, cá de novo, a responder-te.
Por quê? Não sei. E talvez eu continue levando o resto da minha vida, tentando entender porque te entendo.
Acreditaria se eu dissesse? Não, você vai duvidar até o último momento, eu sei.
Mas eu sei que vai acabar se convencendo. Não é presunção minha, eu só sei.
Sexta passada, encontrei-a. Tão igual e tão diferente daquela que perdi nas curvas da estrada.
Aquela de quem lhe falei. A tal aprovada. Linda, sem dúvida. Escrevi pra ela por aqui, você facilmente pode deduzir isso e saber qual foi a carta.
Mas não me atenho a isso. Me atenho ao fato que, paralisado em minha descoberta, tal qual você na sua, também imergi nas minhas memórias. Me joguei de cabeça, relembrei muitas coisas. Mas por algum motivo, eu ouvi a voz.
A voz da que perdi na estrada.
E a voz de todas que deixei pra trás por lá também.
Talvez eu tenha escutado a tua também, e não sei se me dói. Me transtorna, me questiona e me complica, mas não sei se me dói. De alguma forma, tua voz não me dói de forma alguma. Você não é dor, pra mim.
Mas eu sinto as tuas dores pela vida, também. E talvez uma das minhas, seja saber se sou dor pra você, ou se dói não escutar minha voz. Você escuta?
Não, jurei não me reter nisso e farei o que prometi. Daqui em diante, tentarei com afinco, dizer-te o que senti.
Somos tão iguais quanto somos diferentes. E assim é para aquela que perdi na estrada e a que encontrei recentemente, bem como ao teu descoberto, literal, das estradas, e o teu amante que aos poucos perde o teu amor.
Sei que, imerso nas minhas memórias, eu fui incapaz de tomar atitudes. Minto, troquei algumas palavras quando o destino me ocasionou a chance batendo na porta. Mas não o suficiente, não o esperado. Não foi o que devia ter sido.
Mas, eu ouvi as vozes. Dela, da que perdi nas curvas, e tantas outras.
E a sua. Agora tenho certeza.
O que me fez ouvir as vozes? O que me fez ouvir, e você não?
Eu não sei, sinceramente.
Mas como você, eu também to com aquele vazio. Sempre estou com ele.
Algo mudou. Eu não sei dizer o que é. O vazio tá leve. Meus sorrisos já não são mais só bons sorrisos.
O peso, talvez, esteja sumindo. Será isso?
Será que, enquanto tua cicatriz fecha, o meu peso se desfaz? É este o destino de andar na estrada?
Eu não posso te repreender. Não posso lhe dizer pra não se deixar abater.
Jamais poderia dizer algo que soasse banal, explicando que isto é a vida e a forma como ela se encaminha.
Sou mais inconformado do que você, quando não quero algo. Sabes disso. Sabes da minha teimosia, da minha determinação tão forte quanto minha cabeça dura insanamente guiada pelos meus princípios sentimentais.
Se posso dizer, se há algo que posso, seja isto:
Por favor, ainda que seja doloroso, conserva a menina do teu quarto.
Mesmo que tenha que trancar tudo até o dito cujo certo de resolver lhe aparecer. E sei o quanto ela pode chorar mais, o quanto ela pode se fechar ainda mais no quarto escuro. Mas, mantém tua essência confiada a esta menina. Escuta, mesmo que tenhas traído-lhe a confiança alguma vez. O maior dom de uma criança está na sua capacidade certa e infalível de acreditar no bem das pessoas. E ela, mais do que ninguém, sabe do bem que há em você. Do amor que há em você. E há de ser de quem merecer.
O perdão é divino, e reside na tua menina. E ela é tudo em você, não há camadas nem máscaras que você possa usar que vão me deixar de ver direto nos olhos dela. Não há atitude, não há discurso. Nem a terceira pessoa no teu eu-lírico, da tua poesia de prosa, da tua fornalha de contos que me reviram o coração.
Não há nada, neste mundo, que me impeça, de ver a tua menina. Ver você, como é.
Não sei dizer como, nem porquê, mas o menino dos meus olhos, sorri pra você. Sorri largo, enorme.
E o que vem desse sorriso, nem eu sei. Não há promessas, não há destino escrito, nenhum que eu já não tenha tentado buscar sem nenhuma certeza. Mas ele sorri.
Chega a dar vontade de esbofetear o moleque. "Tome tenência, pra quê esta graça?".
Mas, desafiador, ele sorri.
Eu não minto.
Entenda também, porque cabe dizer, que eu só escutei as vozes recentemente. E você há de escutá-las, pela forma que o acaso atrelou nossas vidas, tenho certeza.
E não pense que é ruim. Porque escutá-las, pra mim, não foi de todo.
Escutar a voz de quem perdi na estrada foi doloroso. Chocante e petrificante, me imobilizando perante as novas chances. Mas foi primordialmente necessário!
Só sabemos que estamos de fato, evoluindo e seguindo em frente, quando encaramos estes pesos e vazios, e não mais nos abatemos como antes.
Repito, talvez sem necessidade, que não te repreendo. Mas é que...
Nossa, eu levei muito tempo, pra poder dizer isso.
Você me fez reaprender o que sabia. Só me cabe te retribuir o favor.
É que todo o amor que nos ocorre, nos faz melhor no fim.
E se o teu fim demora a chegar, não te torture mais pensando o quanto, a cada dia, ele se aproxima.
Tudo vale e valeu a pena, e vai continuar valendo enquanto continuarmos amando.
Porque
é esse o motivo das mudanças. Não é a simples vontade, mas o amor.
O amor a vontade de mudar, o amor aos outros por quem lutar, o amor a si por estar vivo e ter quem amar. O amor por amar.
Você me fez reaprender.
Por favor, não esqueça. Confia este segredo nosso à tua menina, e sorria como meu menino sorri.
Teu sorriso faz a menina clara para o mundo. E só com claridade ela pode conquistá-lo.
Sei, é assustador, não é?
Dar estes passos tão doloridos, nos cacos de vidro espalhados. Mas te conto mais um segredo.
Meu menino não se deu conta que os atravessou. Sim, estou falando sério!
Aliás, teria atravessado? Não posso afirmar, mas acredito que sim.
E é engraçado, não é? Não se dar conta. Só notar que se pode sorrir quando você já está sorrindo.
Mas é assim que foi para mim. E torço pra que te seja assim.
Apenas deixei, como sempre, e desta vez ele caminhou. Será que pode me entender como te entendo?
As vozes são uma pequena provação. E sei como ninguém como te dói. A lembrança, a falta. E por vezes eu também quis me agarrar nisso e preferir que nada mais acontecesse, e que fossem minha realidade fantasiada e eterna no meu reino alimentado por veias de sonatas mal terminadas.
Porém, cá estou. E o menino te sorri. Não sei por quanto tempo isso vai se manter. E nisto, talvez seja saudável querer se manter. Não sei. Mas chega das minhas dúvidas, chega dos meus palpites. Não sou teu poeta nem sei se serei ou se devo ser, às vezes me pego pensando se quero mesmo ser. E na certeza que concluo que quero, divago também em ser trovador dos teus delírios, tipoia das tuas luxações, glorificador das tuas conquistas.
Apenas digo, para pôr fim ao meu queixar que em nada lhe mudará a sina:
Deixa sangrar o ombro direito até onde ele precisar. Arder a dor das tuas entranhas, em cada pedaço do teu ser. Ainda assim, não será irreversível. Serás tu, aquela que me fez lembrar quem sou e arrancar o verdadeiro sorriso do meu menino desengonçado. Serás tu, a confidente, a intrépida. E também a sensível, precavida. Serás tu, infinita na tua limitação humana. Serás mais que a dor. Serás mais que o fulgor, a paixão ou o prazer. Serás tu, maior que o amor que eu pude conceber.
Serás tu, e nada mais.
Serás tu, e nada mais. E nada poderá lhe tirar isto, que é o que te faz tão incrível. Leve o tempo que for, serás tu, e serás felicidade.