Já faz um ano.
Em pensar que a vida nos leva por caminhos sinuosos e cheios de confusão, por motivos talvez não tão claros. Mas que, de alguma forma, nos fazem encontrar a nós mesmos.
Já faz um ano que me peguei em 2 paradoxos. Entre a criança que se aventurou nos primeiros passos e o projeto de gente que dava uma despedida, além de comparar este singelo projeto com tudo aquilo que um dia eu projetara para mim naquele dia.
E nada parecia possível.
Jamais poderia eu, ainda criança, dimensionar os amigos que conheci, nos primeiros passos e desde então me acompanham. Jamais também poderia, mesmo já dentro do paraíso, dimensionar este amor. Esta necessidade visceral de estar em um ambiente.
Qual terá sido o momento em que me tornei quem sou hoje por lá? Porque é engraçado ter esta certeza: sei que sai como sou de lá. Sei que me transformei no que quis ser ainda lá. E todo o resto foi consequência das batalhas que batalhei, com a força que aprendi a ter por lá.
Porquê é tão difícil cortar os restos do último laço?
Porquê hoje meu corpo dói indisposto e minhas lágrimas resolveram dar as caras?
Não é de ontem que acabou. Não foi repentino. Estava anunciado, muito antes de cerimônia no Mário Lago ou no Salão Nobre. Existe algo mais que se perde.
É mais que uma pena de ouro. Mais que uma réplica da pena usada pela princesa Isabel pra alforriar os escravos. É a alforria de minha estadia oficial como aluno do Colégio Pedro II. Mas quem foi que disse que quero esta liberdade? Talvez pudesse eu ser escravo soldado amigo do livro de meu senhorio CPII, que pouco me maltratou? A maior tortura é esta, ter sido expulso de casa antes e, não obstante, não poder dormir na esquina próxima!
Os últimos passos oficiais que me prendem. Fazer a sucessão, ver a nova geração dos projetos de gente que sofrerão esta saudade, esta angústia. E enquanto isso não acontece, estarei lá vendo a nova geração das crianças que não sabem quem são, e dos que ainda vivem lá a se descobrir dia a dia sem saber que o fazem.
Tão certo como isso, é que quando todos estiverem fora, serão como eu. Como Larissa, também.
Com aquele choro bobo, quase egoísta de quem perdeu o chão mas já sabe voar.
Também certo é dizer que há muito mais que se ganhou. E quase tudo eu já falei enquanto balbuciava meus lamentos e tentava manter razões pras minhas lágrimas, sempre tão discretas mas tão doídas e sinceras como o espetar da farpa ao dedo juvenil.
Preciso dar razões a mais para as lágrimas, mesmo que sejam óbvias. E virão pessoas, das mais queridas e respeitadas, amadas e admiradas; dirão que entendem e sabem o que é. Me questiono se tal coisa é possível para aqueles que não são soldados da ciência. Se seria possível não jurar concorrer com zelo pelo avanço das ciências e letras do Brasil e entender este sentimento. O destino tem seus caprichos, há sim pessoas com tal capacidade de fora de nosso círculo eterno em São Cristóvão.
Feliz sou eu, que estive lá, e posso me dar ao luxo de duvidar das mais sinceras considerações, pois é bem verdade que poucas terão de fato compreendido meu sentimento.
E sem ofensa a quem tenta me confortar, quem o faz sabe bem o quanto eu prezo e necessito do sorriso, assim sem motivo. Só duvido porque sou cético. E sou cético por ser eu, e sou eu porque estive no CPII.
Ainda assim, compenso a quem me faz bem. E muito por isso, estar em eterna dívida ao Pedro II não é exagero. Como já disse, deu-me ele os verdadeiros amigos que o tempo não afastou por completo, deu-me os amores para aprender a viver e amadurecer, deu-me uma história para com a qual me orgulho e me fez me encontrar para saber o quanto o orgulho me é importante.
O Pedro II me permitiu saber o que queria. No dia em que recebi a pena de ouro e eternizei meu nome na elite do colégio, senti que alcançara a supremacia de minha alma. Completei-me em fulgor e alegria, afastando a tristeza da despedida. Hoje, a senhora despedida bate à minha porta, de braços dados com o futuro. Hoje, de novo em meus paradoxos, o projeto de gente vê o que se tornou, a pessoa que queria ser. Mas não esquecendo, como bem diria Raul Seixas,
eu tenho uma porção de coisas grandes para conquistar e eu não posso ficar aí parado.
Por tudo que conquistei, por tudo que vou conquistar. Sou hoje o que quis ser, porque descobri que assim o queria, e foi lá que isso aconteceu.
Agradeço ao destino. De muito antes eu já tinha meu laço com São Cristóvão. Que oficialmente ele se parta, mas que viva forte como sempre no meu coração. Agradeço ao destino por cada rosto que nele habita, e que nas memórias me vem forte e com ternura. Agradeço ao destino por neste momento, tão dolorido mas tão lindo, não estar sozinho. Pois apesar da solidão com que tenho lidado, hoje terei com quem partilhar tal capítulo. E esta solidão hoje se desfaz em nome da memória viva, em nome da presença querida, em nome do lugar a que devo a vida.
Ao Pedro II
, mais uma vez e sempre,
tudo.
Deixarei meus pés me guiarem, já pesados de dor. Mas o caminho é inercial. Que o vento que sopra naquelas bandas da Zona Norte do Rio levem as dores e dúvidas do futuro e me tragam de novo o aroma daquele lugar, me enchendo com a fibra que aprendi a ter. E que um dia, alguém possa estar fazendo o mesmo que eu sobre as mesmas condições e com a mesma perfeita companhia.
Jamais duvidei da mística do CPII, está escrito e haverá de acontecer.