Hey, você aí

Não, não quero seu dinheiro.
Estava mais pra dizer 'Hey Jude', ou algo assim.
Bom, este blog é sobre mim. Não apenas eu, mas o que penso, sinto, etc. Já foi meio invasivo, já foi vazio. E no fundo ainda é legal, pra mim. Meu cantinho de desabafo e filosofia, se assim posso dizer.
Eu sou um livro aberto. O que quiser saber, pode achar aqui. E o que não conseguir, é porque ainda vamos nos esbarrar por esta vida irônica.

The Beatles

The Beatles
Abbey Road

quinta-feira, 14 de julho de 2016

4 spirits tale: Capítulos 4 e 5

Capítulo 4: Providências 

Os jornais matinais pipocavam sobre as declarações do deputado Norberto sem parar. O clima na Câmara chegou ao ápice de deputados da base aliada do governo (centro esquerda em teoria, liberal na prática, que havia feito coligações com partidos conservadores como o do deputado Tristanildo) chegarem às vias de fato apo´s a equivocada declaração do deputado Everaldo. Enquanto a oposição mais liberal se calava, a oposição mais à esquerda ganhou volume em sua voz nos debates do dia, forçando o então presidente da Câmara, Gustavo Poti (favorável ao porte de armas) à adiar a conclusão da sessão, na tentativa de ganhar tempo para arrumar a casa.

Mas a verdade é que não dependia tanto de Poti para que a base voltasse a se entender. Dependia, essencialmente, de Tristanildo. Ou melhor, do dinheiro que Tristanildo esperava receber pela manhã daquele dia. Mas não tivera notícias do Ferrugem até o momento. Eis que, no intervalo, o celular toca e o deputado atende afoito, já aos berros:
"PORRA FERRUGEM, TÁ DE SACANAGEM?"
"Não é o Ferrugem, senhor pastor"
Tristanildo se recompõe, muda o tom de voz:
"Ah, perdão. Ele tinha um compromisso muito importante comigo e.."
"Senhor pastor, desculpe interromper, mas tenho notícias dele para o senhor."
"Ah sim, prossiga."
"O Ferrugem tá em estado grave aqui no Miguel Couto."
"Como assim???"
"Confronto, seu pastor. Os traficantes chegaram atirando, parece que houve explosões.."
"COMO ASSIM, CONFRONTO? ISSO NÃO FAZ SENTIDO!"
"Ué, mas ele rodava na favela! Como não?"
"Quero dizer, me desculpe, quis dizer que não esperava que isso acontecesse."
"Ninguém espera."
"Quem está falando?"
"Aqui é o Cabo Souza, seu pastor."
"Cabo Souza, muito obrigado por me ligar. O Ferrugem é um amigo importante para mim. O senhor sabe me informar mais detalhes?"
"Por nada seu pastor, posso dizer sim. Foi ele que pediu pra eu ligar pro senhor, inclusive. Ele tá consciente."
"Poxa, que maravilha! - e só os presentes poderiam entender a ironia de Tristanildo nessa frase - Ele disse algo mais?"
"Disse nada não, pediu pra eu ligar pro senhor e pro senhor vir falar com ele assim que possível."
"Ah Cabo Souza, mas eu farei isso ainda hoje! Cuide-se! Glória de Deus!"
"Ôh glória, seu pastor!"

Souza tinha 27 anos. Negro oriundo do Lins, batalhou muito com a família e se tornou policial pelo desejo de proteger a família, inclusive da própria polícia. O treinamento lhe deu um corpo forte e resistente, e destacou-se tanto no uso de armas quanto na elaboração de táticas, tanto que costumava traçar os planos utilizados pelos seus capitães em serviço (quando estes não resolviam fazer alterações em função de razões ilícitas). De bobo não tinha nada, como confirmam as palavras que disse ao se dirigir ao Ferrugem, imobilizado no quarto:

"Mordeu. Se ele for esperto vem sozinho."
"C.cc .. cuidado. El..ele  - Ferrugem ainda tem dificuldade de falar.
"Quer matar você, e vai matar quem ficar no caminho."
"Eee see.. elee mmaannd.."
"Como eu disse, se ele for inteligente vai mandar ninguém, vai vir ele próprio. Há outros PMs vigiando o hospital, boa parte de minha confiança: qualquer idiota barulhento desses da Ordem da Família vai ser notado e pode entregá-lo."

Verdade seja dita: Cabo Souza era um puta policial. Pena a dele ser o Rio de Janeiro.

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Capítulo 5: Arthur e Renata

Eram 13 horas quando finalmente os dois acordaram. O sexo sempre fora bom, mas por algum motivo desconhecido daquela vez os dois gastaram tanta energia que é possível que tenham emagrecido 1 ou 2 quilos apenas de suor. 
Renata ainda se perguntava porque ele havia demorado tanto pra chegar na própria casa na noite passada. Eram quase 11 horas da noite. Geralmente, à essa hora, já estavam na terceira e pausando pra descansar. Ela nunca foi do tipo ciumenta, mas realmente se pegou curiosa:

"Amor, ontem cê demorou né.."
"É, foi um dia bem longo."
"Pegou trânsito? Cheguei aqui tão rápido..."
"Não po, eu realmente não consegui acelerar as coisas lá no estágio. Tive que ficar mais tempo pra finalizar, eu não queria ter trabalho pro fim de semana."
"Entendi.."
"Que foi?"
"Nada ué."
"Renata, não acredito, você está com ciúme."
"AHHH NÃAAO NEM VEM!"
"CLARO que está, sahsahusau tenho que rir. Quem diria."
"Não estou com ciúme."
"Eu devia ter completado que a ideia era ter o fim de semana todo pra você.."
"Conveniente né? Acobertando a sirigaita"

Os dois rolaram de rir e acabaram se engalfinhando em amassos novamente. Tinham uma espécie de vício corpóreo um no outro de difícil comparação com o resto dos casais de sua idade. 
Ligaram a TV, enquanto Arthur arrumava as camas e Renata se adiantava em preparar um café rápido. Era viciada em café, uma de suas poucas falhas não totalmente saudáveis em meio a todos os hábitos que mantinham seu corpo um exemplo natural do que todas as academias sonham vender para seus clientes. Arthur também tomava o café, não com tanta frequência, mas além disso não era de se estabelecer restrições. Aproveitava como bem entendia.
O noticiário bombava:
"FOI UMA PÉSSIMA DECLARAÇÃO"
"DEPUTADOS BRIGAM NA CÂMARA"
"POTI MANOBRA E VOTAÇÃO DO PORTE É ADIADA"
"TRISTANILDO CITA PM BALEADO E CHORA PARA IMPRENSA"

"Verme."
"Arthur, pára de se preocupar com política a essa hora!"
"Tá bom, deixa eu só ouvir isso aqui um instante e já desligo.."
"Arthur...."
A TV segue no depoimento de Tristanildo:

"É uma lástima, é terrível que as pessoas acreditem que a polícia dá conta. Ela não dá conta, nós deixamos o crime corromper esta nossa sociedade! A família deve ter o direito de se proteger! Orai, irmãos, pelo nosso soldado Ferrugem, baleado pela fome de matar dessas pessoas que não temem a Deus, que se encontra em estado grave no Miguel Couto! Estarei indo hoje à noite para lá. Glória de Deus!"


"Baleado é? Sei."
"Como assim até isso você acha que eles tão mentindo?"

Arthur nota que falou demais, mas não demora a responder:

"Manchete de jornal e alguns sites mais confiáveis citam queimaduras, ossos quebrados. Nada de bala. Dizer que foi baleado implica em dizer que o tráfico é mais armado que a PM, portanto a PM não dá conta e seria justo as pessoas saírem armadas por aí pra se defender."
"Eu te amo, cara. Vai ser gênio assim na minha cama."

Naquela noite, Renata sentiu um pouco de frio. Estranhou não sentir a presença do namorado. Foi quando acordou e se viu sozinha na cama, em plena madrugada.
Sem saber o que pensar, correu para a sala em busca do celular. Desnorteada, não sabia o que deveria fazer. Retornou ao quarto: Arthur estava na cama, deitado.

Renata arregalou os olhos. Eram 3 da manhã. 
Deitou-se novamente sobre o colo do amado. Sussurrou:

"Amor, cê levantou?"
"huh....não amor."
"Nossa, eu acho que devo ter caído da cama. Ou sonhado."
"Por quê?"
"Pensei que você não estivesse aqui."
"Vem cá e me aperta forte. Vê se eu não estou."
"Bobo. Mas vou apertar assim mesmo."
"Sei disso. Dorme bem meu anjo."
"Você também. Nossa, que cheiro estranho de fumaça..."

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