Aviso: Utilizando sistema de cores para facilitar identificação das personagens.
Capítulo 2: Os 3 mosqueteiros
São 9 da manhã do dia seguinte. Encontro de amigos. Renata é a primeira a chegar.
O que em si é um fato raro, considerando seu histórico de pequenos atrasos de leve desleixo. É a mais nova do grupo de amigos, tem 21 anos. É relativamente alta para a média feminina, e o corpo esbelto reforça as tendências de modelo, sendo finalizadas por um rosto fino e um sorriso largo. O cabelo é castanho, os olhos são negros.
A pontualidade rara acabou sendo de utilidade. Renata pôde se espreguiçar no banco e descansar as pernas apoiando-as em outro. De modo geral sempre foi uma pessoa disposta, mas o cansaço das últimas semanas tem apertado.
Especialmente porque Renata é Iara.
A heroína que não muito tempo atrás estava acenando para o povo no palanque com o prefeito. Bastante à contragosto, mas ela não podia fazer muito e nem recusar a honraria da cerimônia. Podia?
Como o nome sugere, Renata ganhou poderes sobre a água em todos os seus estados. Quase nunca precisou entrar de maneira veemente em combate, dado que a maioria dos bandidos que cruzaram seu caminho tinham as armas congeladas antes de pensarem em se mexer. Mas para o caso de acontecer, como Iara ela carregava um tridente longo adornado de pérolas e ametistas. Também quase nunca precisou usar de fato, a extensão real de seus poderes, salvo uma enchente que ela teve que forçar de volta ao mar fazia um mês. Talvez não conhecesse a extensão. Em ação, vestia azul em roupas leves (mas resistentes) e floridas, com uma máscara de algas.
Enquanto espera a chegada do resto do grupo, diverte crianças que correm ao bebedouro ver a "água mágica que está se movendo sozinha". Claro, se diverte à distância.
Mas logo é repreendida por Felipe:
"Por quê você é retardada?"
"Grosso."
"Tá bom, deixa te pegarem."
"Ok ok, parei."
As crianças se decepcionam com o fim do truque no bebedouro e seguem com outras brincadeiras. Felipe se senta e logo Sarah se junta aos 2:
"Tá estressadinho de ontem ainda né?"
"O que vocês duas queriam?"
"Sei lá, que você deixasse pra lá?"
"Não sei como me convenceram."
"Alto lá, quem arrastou foi a Sarah."
"Claro! Vocês já viram os jornais hoje?"
E arremessa um exemplar na mesa.
"Heróis recebem medalha, cidade agradece" - lê Felipe.
"Primeira capa positiva sobre a gente em meses. E vocês aí, sem querer ir."
"Mas é tão importante assim que gostem da gente?"
"Se não gostarem da gente, como fazemos?"
É claro que a essa altura você já sabe que Felipe é Gaia e Sarah é a Cupido. Afinal, não faria sentido o diálogo se não fosse assim a realidade.
Felipe tem 25 anos, cabelo curto e castanho claro, olhos negros, é atlético. Sarah tem 24, o cabelo não é muito longo e é castanho escuro, olhos castanhos claros. De forma similar à Renata, também ganharam poderes não faz muito tempo. Felipe consegue controlar a terra e os minerais, Sarah consegue controlar o ar de modo geral. O rapaz tem uma postura um pouco mais agressiva no combate ao crime, mas nunca agrediu nenhum adversário seriamente: até porque o estrago que sua maça provocaria seria, no mínimo, polêmico. Vestia verde, com rochas servindo de armadura. Já Sarah ganhava um par de asas, que combinavam com seu arco branco e lhe davam a aparência angelical que justifica o nome. A roupa era de um rosa leve, pacífico.
Retornando, a pergunta pairou no ar. Sarah repetiu:
"Gente, foco aqui. Se não gostarem de nós, como continuamos sendo o que somos?"
"Tomando vergonha na cara pra parar de agradar todo mundo." - disse Arthur, o último a chegar. Todos se viram pra sua chegada, nas costas do grupo. Os 3 conseguem agir como se não estivessem falando sobre algo que o amigo não podia saber em hipótese alguma.
Os 4 sorriem. Renata toma a dianteira e se atira nos braços do namorado.
"Parece que eu que vou te sacanear hoje!"
"Ué, por quê?"
"Porque EU cheguei antes de VOCÊ. Perdeu a hora foi?"
"Pior que sim. Dormi meio mal essa noite."
Renata trata o namorado a pão de ló enquanto Sarah e Felipe se entreolham pensando o quanto a fofura dos 2 podia ser levemente irritante.
"Mas gente, tá calor aqui hein!"
O casal ri pra Sarah. Felipe concorda:
"Cara, mas está mesmo."
Arthur esboça um sorriso sem graça e puxa assunto:
"Vocês 3 andam saindo muito sem mim, viu?"
"Você tá sempre enrolado, cara!"
"Ah mas mesmo assim. Até tu, Renata, vivia lá em casa agora só quando eu arrasto!"
"Ah amor, também ando enrolada."
"Enrolada com esses 2 sementinhas do mal, isso sim! Já to até prevendo o mal caminho" - diz rindo.
"Epa, aqui com a gente é só firmeza. Tem essa não."
"Mas sério gente, vocês 3 tão fazendo algum cursinho juntos, alguma aula? É alguma surpresa?"
"Nada disso brother. Nem temos saído tanto assim. Impressão sua."
"É po, tá viajando."
"Relaxa amor."
"Tá bom. Mas vocês andam bem 3 mosqueteiros mesmo."
"Então da próxima não atrasa, D'Artagnan."
Todos riem. A conversa prossegue. Há um policial falando no rádio próximo dali, mas nada que impeça a diversão dos amigos.
É só um grupo de amigos comum.
Com super poderes.
Mas comum.
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Capítulo 3: Os planos dos homens de Deus na Terra dos demônios
Não muito distante dali, pouco mais de um bairro ou outro, um menor rouba a bolsa de uma menina desatenta. Na fuga, ele não percebe que é seguido por um rapaz um pouco mais velho. É quando ele se dá conta de que está cercado: não por um, mas 5. Todos uniformizados, com cruzes nas camisas.
"Coé, namoral aí, que isso.."
"Que isso o caralho, seu merda."
"Fecha a boca e passa a bolsa seu moleque."
"Que isso, que isso, olha lá que eu chamo os parça."
"Ninguém aqui tem medo de você."
E mal isso é dito, o menor sente a bolsa escapulir por seus braços mesmo tendo feito muita força para segurá-la. Mas nenhum dos sujeitos havia lhe avançado pra tomar: a bolsa foi atraída para a mão de um sexto sujeito, que usava alguma espécie de luva.
"QUE BRUXARIA É ESSA CARAIO"
"Podem dar cabo." - diz o sujeito com a bolsa em mãos.
"NÃO, NÃO, POR FAVOR AE! POR FA - e o menor não consegue mais dizer nada, sendo golpeado violentamente na cabeça por trás, e na sequência sendo socado na barriga incessantemente. Dos 5 sujeitos que o cercaram, 4 somem com o menor. Resta apenas um, que interpela ao líder que ainda tem a bolsa em mãos:
"Funcionou direitinho?"
"Ainda faltam algumas calibrações, mas tá 99%."
"Perfeito, relatarei ao pastor."
"Não, eu mesmo faço isso. Devolva a bolsa à menina."
"Certo. Glória de Deus!"
"Glória. Dispensado."
Sozinho, guarda a luva e acende um cigarro. Pega seu celular e espera impaciente para ser atendido:
"Alô? Pastor Tristanildo?"
"Não fale meu nome em público."
"O senhor me perdoe, não estou acostumado a esses esquemas."
"Nem use essa palavra."
"Olha, antes que o senhor tenha mais alguma represália, podemos ir direto ao assunto?"
"Pois bem."
"Tá pronta."
"A arma?"
"Totalmente operante. A capacidade de criar campos magnéticos focalizados é perfeita. As descargas elétricas também estão ótimas, testei mais cedo em alguns neguinhos de rua."
"Você pode falar isso mais baixo aí?"
"Não se preocupe, Pastor. Estou bem isolado."
"Certo então."
"E então digo eu, Pastor. Quando vou poder fabricar?"
"Você sabe que depende da mudança na Lei do porte."
"Por que mais eu teria ligado?"
"Isso está em curso."
"Com que velocidade?"
"A possível, senhor Oliveira."
"Aguardo retorno urgente."
"Esta noite ainda sem falta."
Rafael Oliveira voltou pra casa. Sentou pacientemente em frente à TV, vendo um jogo do seu time. Ainda teria muito o que fazer, mas julgava merecer um descanso. Afinal, quantas pessoas projetam uma luva eletro-magnética funcional a ponto de matar? Aturar os fanáticos religiosos era difícil, mas sem o teatro de formalidades jamais teria apoio para conseguir alvos teste, e muito menos o dinheiro para financiar o protótipo. Igrejas, no Brasil, são mais ricas que muitos fazendeiros. Valia à pena se fingir outro carola.
Do seu lado, em seu escritório, o Pastor Tristanildo é quem resolve fazer uma ligação:
"Alô?"
"Pastor?"
"Porra Ferrugem, tudo bem?"
"Tudo mermão. E aí?"
"Sim, sim. Porra, se liga."
"Diz aí."
"Tá na moral o esquema?"
"Tudo preparado pra sair ainda hoje."
"Repassa o plano."
"Não tem erro, Pastor. Os alemão vem aqui hoje comprar as armas. Vão trazer maleta, no olho vivo mesmo, e deve rolar uns pó, essas tranqueiras que os grão-fino teus colega se amarra."
"Quanto ce tá prevendo?"
"Porra, papo de 200 mil só hoje. Aí fica cinquentinha aqui pra dar a moral, pá, e nóis passa o resto aí pra tu."
"Porra, bom! Bom. Fecha isso aí e me dá o retorno."
"É nóis cara, tá safo."
"Da próxima segura um pouco essa fome aí pô. Esse mês aí vai fechar 1 milhão cara."
"Eu sei, mas é causa boa cara. Os caras fecham com a gente e aí facilita pra vocês depois no controle aí."
"Isso aí porra."
O Pastor desliga. É ele quem deve esperar a ligação, agora.
Horas mais tarde, Ferrugem recebe os traficantes do Alemão em um galpão abandonado. Há outros PMs com ele no térreo, e diversos de guarda no andar de cima, focando a visão no centro do térreo.
Armamento pesado sobre a mesa. Os traficantes trouxeram dezenas de malas de dinheiro, centenas de quilos de cocaína e poucos quilos de maconha.
"Tá faltando orégano nessa porra não?"
"Porra vei, neguinho agora tá plantando..."
"É foda mesmo. Mas tá de boa, leva tudo na moral aí."
Escutam-se disparos do lado de fora.
Os traficantes apontam as armas pra Ferrugem, e os PMs de volta para os traficantes.
"ARMOU A FODA PRA GENTE FOI SEU MERDA?"
"AQUI Ô VIADO, QUE FODA QUE EU ARMEI?"
"ESSES TIRO AÍ SEU PUTO, É BOPE?"
"BOPE O CARALHO, PORRA. SÓ SOBROU VOCÊS PRA VENDER EU VOU FICAR DE JOGUINHO POR QUÊ?"
Um dos PMs atende o rádio. Há gritos do outro lado da linha. Ele aumenta o volume para todos os presentes.
"Caralho, que porra é essa então?"
"Exército não é, iam avisar."
"Caralho mané....tá um calor do inferno de repente.."
O Pastor não recebe a ligação que esperava. E portanto, o jovem senhor Rafael Oliveira também não recebeu sua devida ligação do Pastor. Já é manhã do dia seguinte, e um tal deputado Norberto resolveu denunciar, em rede nacional, o oferecimento de propina a 200 deputados da Câmara para garantir a aprovação de mudanças na Lei do Porte de Armas, acusando o Pastor de ser o responsável pelo esquema. O deputado foi rebatido em rede nacional por um companheiro de partido do Pastor, o deputado Everaldo, que indagou:
"Vossa Excelência tá é com inveja que não levou o teu né safado?"
O Pastor leva as mãos ao rosto, desesperado.
Já é o 5º copo de whisky de Rafael, às 10 da manhã.
"Porra de povo de igreja."
Os jornais se fizeram na notícia. Alguns poucos noticiaram, em alguma pequena tira ou coluna lateral, um confronto entre policiais e traficantes nos entornos do Alemão. Os policiais teriam usado granadas em algum ponto, o que causou um incêndio. Não havia mortos, mas muitos feridos em diferentes níveis. O mais grave era o Sargento João Lopes, conhecido como Ferrugem, com diversos ossos quebrados e queimaduras de 2º e 3º grau em boa parte do corpo.
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Recado de Beto Guedes
Há 3 anos