Hey, você aí

Não, não quero seu dinheiro.
Estava mais pra dizer 'Hey Jude', ou algo assim.
Bom, este blog é sobre mim. Não apenas eu, mas o que penso, sinto, etc. Já foi meio invasivo, já foi vazio. E no fundo ainda é legal, pra mim. Meu cantinho de desabafo e filosofia, se assim posso dizer.
Eu sou um livro aberto. O que quiser saber, pode achar aqui. E o que não conseguir, é porque ainda vamos nos esbarrar por esta vida irônica.

The Beatles

The Beatles
Abbey Road

terça-feira, 21 de junho de 2016

4 spirits tale: Capítulos 2 e 3

Aviso: Utilizando sistema de cores para facilitar identificação das personagens.


Capítulo 2: Os 3 mosqueteiros

São 9 da manhã do dia seguinte. Encontro de amigos. Renata é a primeira a chegar. 
O que em si é um fato raro, considerando seu histórico de pequenos atrasos de leve desleixo. É a mais nova do grupo de amigos, tem 21 anos. É relativamente alta para a média feminina, e o corpo esbelto reforça as tendências de modelo, sendo finalizadas por um rosto fino e um sorriso largo. O cabelo é castanho, os olhos são negros. 
A pontualidade rara acabou sendo de utilidade. Renata pôde se espreguiçar no banco e descansar as pernas apoiando-as em outro. De modo geral sempre foi uma pessoa disposta, mas o cansaço das últimas semanas tem apertado.
Especialmente porque Renata é Iara.
A heroína que não muito tempo atrás estava acenando para o povo no palanque com o prefeito. Bastante à contragosto, mas ela não podia fazer muito e nem recusar a honraria da cerimônia. Podia?
Como o nome sugere, Renata ganhou poderes sobre a água em todos os seus estados. Quase nunca precisou entrar de maneira veemente em combate, dado que a maioria dos bandidos que cruzaram seu caminho tinham as armas congeladas antes de pensarem em se mexer. Mas para o caso de acontecer, como Iara ela carregava um tridente longo adornado de pérolas e ametistas. Também quase nunca precisou usar de fato, a extensão real de seus poderes, salvo uma enchente que ela teve que forçar de volta ao mar fazia um mês. Talvez não conhecesse a extensão. Em ação, vestia azul em roupas leves (mas resistentes) e floridas, com uma máscara de algas. 
Enquanto espera a chegada do resto do grupo, diverte crianças que correm ao bebedouro ver a "água mágica que está se movendo sozinha". Claro, se diverte à distância. 
Mas logo é repreendida por Felipe:
"Por quê você é retardada?"
"Grosso."
"Tá bom, deixa te pegarem."
"Ok ok, parei."

As crianças se decepcionam com o fim do truque no bebedouro e seguem com outras brincadeiras. Felipe se senta e logo Sarah se junta aos 2:
"Tá estressadinho de ontem ainda né?"
"O que vocês duas queriam?"
"Sei lá, que você deixasse pra lá?" 
"Não sei como me convenceram."
"Alto lá, quem arrastou foi a Sarah."
"Claro! Vocês já viram os jornais hoje?"
E arremessa um exemplar na mesa. 
"Heróis recebem medalha, cidade agradece" - lê Felipe.
"Primeira capa positiva sobre a gente em meses. E vocês aí, sem querer ir."
"Mas é tão importante assim que gostem da gente?" 
"Se não gostarem da gente, como fazemos?"

É claro que a essa altura você já sabe que Felipe é Gaia e Sarah é a Cupido. Afinal, não faria sentido o diálogo se não fosse assim a realidade.
Felipe tem 25 anos, cabelo curto e castanho claro, olhos negros, é atlético. Sarah tem 24, o cabelo não é muito longo e é castanho escuro, olhos castanhos claros. De forma similar à Renata, também ganharam poderes não faz muito tempo. Felipe consegue controlar a terra e os minerais, Sarah consegue controlar o ar de modo geral. O rapaz tem uma postura um pouco mais agressiva no combate ao crime, mas nunca agrediu nenhum adversário seriamente: até porque o estrago que sua maça provocaria seria, no mínimo, polêmico. Vestia verde, com rochas servindo de armadura. Já Sarah ganhava um par de asas, que combinavam com seu arco branco e lhe davam a aparência angelical que justifica o nome. A roupa era de um rosa leve, pacífico. 

Retornando, a pergunta pairou no ar. Sarah repetiu:
"Gente, foco aqui. Se não gostarem de nós, como continuamos sendo o que somos?"
"Tomando vergonha na cara pra parar de agradar todo mundo." - disse Arthur, o último a chegar. Todos se viram pra sua chegada, nas costas do grupo. Os 3 conseguem agir como se não estivessem falando sobre algo que o amigo não podia saber em hipótese alguma.
 Os 4 sorriem. Renata toma a dianteira e se atira nos braços do namorado.
"Parece que eu que vou te sacanear hoje!"
"Ué, por quê?"
"Porque EU cheguei antes de VOCÊ. Perdeu a hora foi?"
"Pior que sim. Dormi meio mal essa noite."
Renata trata o namorado a pão de ló enquanto Sarah e Felipe se entreolham pensando o quanto a fofura dos 2 podia ser levemente irritante. 
"Mas gente, tá calor aqui hein!"
O casal ri pra Sarah. Felipe concorda:
"Cara, mas está mesmo."

Arthur esboça um sorriso sem graça e puxa assunto:
"Vocês 3 andam saindo muito sem mim, viu?"
"Você tá sempre enrolado, cara!"
"Ah mas mesmo assim. Até tu, Renata, vivia lá em casa agora só quando eu arrasto!"
"Ah amor, também ando enrolada."
"Enrolada com esses 2 sementinhas do mal, isso sim! Já to até prevendo o mal caminho" - diz rindo.
"Epa, aqui com a gente é só firmeza. Tem essa não."
"Mas sério gente, vocês 3 tão fazendo algum cursinho juntos, alguma aula? É alguma surpresa?"
"Nada disso brother. Nem temos saído tanto assim. Impressão sua."
"É po, tá viajando."
"Relaxa amor."
"Tá bom. Mas vocês andam bem 3 mosqueteiros mesmo."
"Então da próxima não atrasa, D'Artagnan."

Todos riem. A conversa prossegue. Há um policial falando no rádio próximo dali, mas nada que impeça a diversão dos amigos.
É só um grupo de amigos comum. 
Com super poderes. 
Mas comum. 

.......................................................................................................................................................

Capítulo 3: Os planos dos homens de Deus na Terra dos demônios

Não muito distante dali, pouco mais de um bairro ou outro, um menor rouba a bolsa de uma menina desatenta. Na fuga, ele não percebe que é seguido por um rapaz um pouco mais velho. É quando ele se dá conta de que está cercado: não por um, mas 5. Todos uniformizados, com cruzes nas camisas. 
"Coé, namoral aí, que isso.."
"Que isso o caralho, seu merda."
"Fecha a boca e passa a bolsa seu moleque." 
"Que isso, que isso, olha lá que eu chamo os parça."
"Ninguém aqui tem medo de você."
E mal isso é dito, o menor sente a bolsa escapulir por seus braços mesmo tendo feito muita força para segurá-la. Mas nenhum dos sujeitos havia lhe avançado pra tomar: a bolsa foi atraída para a mão de um sexto sujeito, que usava alguma espécie de luva.
"QUE BRUXARIA É ESSA CARAIO"
"Podem dar cabo." - diz o sujeito com a bolsa em mãos.
"NÃO, NÃO, POR FAVOR AE! POR FA - e o menor não consegue mais dizer nada, sendo golpeado violentamente na cabeça por trás, e na sequência sendo socado na barriga incessantemente. Dos 5 sujeitos que o cercaram, 4 somem com o menor. Resta apenas um, que interpela ao líder que ainda tem a bolsa em mãos:
"Funcionou direitinho?"
"Ainda faltam algumas calibrações, mas tá 99%."
"Perfeito, relatarei ao pastor."
"Não, eu mesmo faço isso. Devolva a bolsa à menina."
"Certo. Glória de Deus!"
"Glória. Dispensado."

Sozinho, guarda a luva e acende um cigarro. Pega seu celular e espera impaciente para ser atendido:

"Alô? Pastor Tristanildo?"
"Não fale meu nome em público."
"O senhor me perdoe, não estou acostumado a esses esquemas."
"Nem use essa palavra."
"Olha, antes que o senhor tenha mais alguma represália, podemos ir direto ao assunto?"
"Pois bem."
"Tá pronta."
"A arma?"
"Totalmente operante. A capacidade de criar campos magnéticos focalizados é perfeita. As descargas elétricas também estão ótimas, testei mais cedo em alguns neguinhos de rua."
"Você pode falar isso mais baixo aí?"
"Não se preocupe, Pastor. Estou bem isolado."
"Certo então."
"E então digo eu, Pastor. Quando vou poder fabricar?"
"Você sabe que depende da mudança na Lei do porte."
"Por que mais eu teria ligado?"
"Isso está em curso."
"Com que velocidade?"
"A possível, senhor Oliveira."
"Aguardo retorno urgente."
"Esta noite ainda sem falta."

Rafael Oliveira voltou pra casa. Sentou pacientemente em frente à TV, vendo um jogo do seu time. Ainda teria muito o que fazer, mas julgava merecer um descanso. Afinal, quantas pessoas projetam uma luva eletro-magnética funcional a ponto de matar? Aturar os fanáticos religiosos era difícil, mas sem o teatro de formalidades jamais teria apoio para conseguir alvos teste, e muito menos o dinheiro para financiar o protótipo. Igrejas, no Brasil, são mais ricas que muitos fazendeiros. Valia à pena se fingir outro carola. 

Do seu lado, em seu escritório, o Pastor Tristanildo é quem resolve fazer uma ligação:

"Alô?"
"Pastor?"
"Porra Ferrugem, tudo bem?"
"Tudo mermão. E aí?"
"Sim, sim. Porra, se liga."
"Diz aí."
"Tá na moral o esquema?"
"Tudo preparado pra sair ainda hoje."
"Repassa o plano."
"Não tem erro, Pastor. Os alemão vem aqui hoje comprar as armas. Vão trazer maleta, no olho vivo mesmo, e deve rolar uns pó, essas tranqueiras que os grão-fino teus colega se amarra."
 "Quanto ce tá prevendo?"
"Porra, papo de 200 mil só hoje. Aí fica cinquentinha aqui pra dar a moral, pá, e nóis passa o resto aí pra tu."
"Porra, bom! Bom. Fecha isso aí e me dá o retorno."
"É nóis cara, tá safo."
"Da próxima segura um pouco essa fome aí pô. Esse mês aí vai fechar 1 milhão cara."
"Eu sei, mas é causa boa cara. Os caras fecham com a gente e aí facilita pra vocês depois no controle aí."
"Isso aí porra."

O Pastor desliga. É ele quem deve esperar a ligação, agora. 
Horas mais tarde, Ferrugem recebe os traficantes do Alemão em um galpão abandonado. Há outros PMs com ele no térreo, e diversos de guarda no andar de cima, focando a visão no centro do térreo. 
Armamento pesado sobre a mesa. Os traficantes trouxeram dezenas de malas de dinheiro, centenas de quilos de cocaína e poucos quilos de maconha. 
"Tá faltando orégano nessa porra não?"
"Porra vei, neguinho agora tá plantando..."
"É foda mesmo. Mas tá de boa, leva tudo na moral aí."

Escutam-se disparos do lado de fora. 
Os traficantes apontam as armas pra Ferrugem, e os PMs de volta para os traficantes.

"ARMOU A FODA PRA GENTE FOI SEU MERDA?"
"AQUI Ô VIADO, QUE FODA QUE EU ARMEI?"
"ESSES TIRO AÍ SEU PUTO, É BOPE?"
"BOPE O CARALHO, PORRA. SÓ SOBROU VOCÊS PRA VENDER EU VOU FICAR DE JOGUINHO POR QUÊ?"

Um dos PMs atende o rádio. Há gritos do outro lado da linha. Ele aumenta o volume para todos os presentes.

"Caralho, que porra é essa então?"
"Exército não é, iam avisar."
"Caralho mané....tá um calor do inferno de repente.."


O Pastor não recebe a ligação que esperava. E portanto, o jovem senhor Rafael Oliveira também não recebeu sua devida ligação do Pastor. Já é manhã do dia seguinte, e um tal deputado Norberto resolveu denunciar, em rede nacional, o oferecimento de propina a 200 deputados da Câmara para garantir a aprovação de mudanças na Lei do Porte de Armas, acusando o Pastor de ser o responsável pelo esquema. O deputado foi rebatido em rede nacional por um companheiro de partido do Pastor, o deputado Everaldo, que indagou:

"Vossa Excelência tá é com inveja que não levou o teu né safado?"

O Pastor leva as mãos ao rosto, desesperado. 
Já é o 5º copo de whisky de Rafael, às 10 da manhã.

"Porra de povo de igreja."

Os jornais se fizeram na notícia. Alguns poucos noticiaram, em alguma pequena tira ou coluna lateral, um confronto entre policiais e traficantes nos entornos do Alemão. Os policiais teriam usado granadas em algum ponto, o que causou um incêndio. Não havia mortos, mas muitos feridos em diferentes níveis. O mais grave era o Sargento João Lopes, conhecido como Ferrugem, com diversos ossos quebrados e queimaduras de 2º e 3º grau em boa parte do corpo.
...................................................................................................................................................................









segunda-feira, 20 de junho de 2016

4 spirits tale

Essa história é algo que venho bolando desde, sei lá, meus 15 anos.
Era algo que eu pretendia colocar em quadrinhos. Ou mangá. Mas o nível de habilidades ilustrativas requerido para o que desejo está bem além das minhas capacidades com o lápis. Por incentivo externo, acabei por me deixar escrever o roteiro, na esperança de que um ilustrador venha a meu encontro.

O que vem a seguir, e nos próximos posts que vierem com o título, é a história, contada da maneira que imaginei há tantos anos, e na qual mergulho frequentemente durante meus devaneios da madrugada e das horas vaguíssimas. 


4 spirits tale:

Capítulo 1: O que é um herói?

2 colegas conversando, num bar. Talvez seja interessante mencionar, a título de compreensão de todos, que o mundo em que se vive está no abalo recente do surgimento de 3 heróis no Brasil. Os 3 tem feito boas ações tanto no país quanto ao redor do mundo, mas há muito debate sobre suas intenções e a legalidade dos seus atos. E é justamente sobre os tais heróis que está rodando a conversa dos nossos 2 sujeitos, aqui mencionados. Enfim, prestemos atenção:
"Ok, deixa eu começar de novo pra ver se você entende a lógica" - diz o primeiro, visivelmente estressado.
"Prossiga" - o segundo é mais tranquilo, porém sério e fala em tom cético. 
"Os caras tão ajudando, porra. A Cupido, a Iara e o Gaia."
"Sei."
"Porra, ce quer provas? A Cupido dissipou um furacão na Malásia! A Iara abasteceu todo o Sertão e ainda foi fazer o mesmo no Saara! O Gaia reflorestou diversas áreas do país!"
"E..?"
"E o quê caralho? Quer mais o quê?"
"Já parou pra pensar que eles só agem na consequência?"
"Quê?"
"Vamos lá, minha vez de mostrar a lógica. Sabe as emissões que promovem o aquecimento global? A falta de distribuição de renda e de obras não marketeiras em infra estrutura? A vista grossa com o agronegócio e a predação das subsistências?"
"Sim.."
"As respectivas causas das consequências que eles resolvem."
"E..?"
"E aí que eles não resolvem o problema em definitivo. Só vão lá aparar as pontas."
"Mas isso já ajuda as pessoas!"
"É, mas não resolve."
"Tá. Mas o que você quer que eles façam?"
"PORRA, ELES CONTROLAM ELEMENTOS NATURAIS."

Todos no bar se viram pra mesa.
"Me desculpa, perdi a linha. Mas porra, não dá. Os caras tem poder pra mudar o mundo de verdade. E eles ficam aí aparando ponta. Olha lá - a TV do bar mostra os 3 heróis posando lado a lado com o prefeito da cidade, que resolveu condecorá-los por mais uma boa ação - de braço dado com esse mercenário do Carlos Guerra! Esse desgraçado é responsável direto e indireto por centenas de mortes, diversos esquemas de corrupção e o empobrecimento geral do povo por aqui. E eles tão lá, do lado do cara, impassíveis. Faça-me o favor."
"Arthur, você tem razão de criticar, mas assim, o que eles podem fazer? Matar o cara?"
"Olha bem que não era má ideia."
Os dois riem. Arthur retoma:
"Mas falando sério, às vezes eu só queria ver esses crápulas pegando fogo. Como é que dizem os coxinhas mesmo? "Bandido bom é bandido morto". Aposto que se isso valesse não ia ter 10% dos ricos desses país. Aí chegam esses heróis aí, podendo botar ordem na casa e dar um motivo pros desgraçados se entregarem e andarem na linha, mas nããão, tem que ficar dentro da casinha. Tem que ser o exemplo."
"Mas tem que ser o exemplo, cara."
"Tem 200 milhões de exemplos nesse país. Todos acreditando nesse caminho bonito e justo que é a democracia. Uns 50 milhões aí passando fome, algo assim. E menos de 50 mil rindo disso tudo. Se banhando nesse sangue."
".."
"Mas deixa, um dia eles pegam fogo. Tudo pega fogo. E eu vou ficar rindo tomando uma cerva em casa."
"Quer saber? Fechou então. Openhouse do fim do mundo?"
"Com certeza. Breno, tô puxando o carro. Amanhã é batente."
"Vai na paz, incendiário."

Arthur sai do bar e segue pra casa. É próxima do bar, pode fazer o caminho a pé. Ele tem um perfil até comum de físico: peso próximo do normal, cabelo castanho escuro, barba que agrada à moda (apesar dele não ser do tipo que se preocupa com isso). Talvez o único destaque fora da média sejam seus olhos verdes, mas de resto é um sujeito na média. 
Segue o rapaz, no alto dos seus 25 anos, pensando no mundo e no que dissera. Até que esbarra uma pedra vermelha fosforescente no caminho.
Há um brilho forte e uma explosão. 
Mas a cidade é muito barulhenta às 10 da noite, especialmente próximo das baladas e bares. E por alguma razão, ninguém viu a explosão. E nem o Arthur.


.......................................................................................................................................................





  


terça-feira, 7 de junho de 2016

Destino (ou o inevitável magnetismo das coincidências perfeitas e improváveis)

Os dois já sabiam o que ia acontecer, em dada altura do campeonato. Os olhares já denunciavam, e o toque chegava a escancarar para o público. E, embora soubessem, pareciam hesitar.
Talvez pelo medo de cometerem um erro. Cada um com seu portinho seguro não lá muito agradável, mas que soava menos arriscado do que largar tudo e nadar em mar aberto em busca de amor. E depois de tanto tempo que passaram agarrados em seus lugares, essa busca parecia amedrontadora.

O que, entretanto, pareciam ignorar solenemente, era que não seria necessária nenhuma busca pra nenhum dos dois. Justamente porque haviam se encontrado, e já sabiam o que ia acontecer. Não demorou pra que ela abraçasse a possibilidade, e ele não tardou a fazer o mesmo. Resolvidas as pendências, resolveram ceder. 

Jamais haviam vivido algo como o que começaram. Nem mesmo o que antecipavam no olhar, dias e semanas antes, não poderia prepará-los para aquilo. Os detalhes mais ínfimos como a alta sensibilidade dela à cosquinhas e a mania dele de criticar o criticável e inescapável cotidiano ganharam importância na mania de ambos de aproveitar brechas para piadas e provocações. E os detalhes mais importantes, como o primeiro beijo, tornaram-se indescritíveis.

Haviam entrado num filme romântico, por mais que ele os detestasse no geral. Ironia, dado o seu romantismo. E ela, fã dos filmes, havia se tornado uma romântica sem nunca ter sido. Definitivamente haviam abandonado a zona de conforto, logo de cara. E ainda assim sorriam feito idiotas.

Em algum ponto do decorrer do tempo, já sabiam que se amavam. E disseram isso. Ele não fazia isso ao vivo há muito tempo, e nunca havia feito nesse contexto perfeito. Ela viveu o momento com toda a intensidade, perdendo o fôlego como sempre. Ele amava vê-la perdendo o fôlego, e também acaba por perder. Ele a amava. E ela também. Essas duas frases, tão clichês nas vidas de ambos e na mitologia social, faziam-se finalmente completamente verdadeiras em suas vidas. 

Não tardaram a namorar. Pensavam os encontros com comicidade, e imaginavam o futuro com tanta comicidade ou mais, adicionando pitadas extras de romantismo e curiosidade. Porque, no fim das contas, o futuro não importava, contanto que estivessem juntos.
Houve um momento em que se preocuparam, de fato, com o futuro: somente para deixar um registro de como eram felizes agora, e para deixar plantada a semente de que querem ter um futuro juntos para checar o registro passado. O exagero desse romantismo causa comoção aos sentimentais, asco aos ásperos e inveja aos solitários. E claro, os dois não ligavam muito para as reações alheias.

Ele quase chorou ao perceber o tamanho do amor que existia ali, naquele gesto do registro. Ela o abraçou, tomada pela felicidade encarnada. Compreendiam a real dimensão das palavras que proferiam, sabiam suas consequências. E com o mesmo sorriso idiota, queriam as consequências. Queriam tudo que o amor pudesse dar.

Narram os amigos mais próximos que o futuro deles foi, como toda sua história, muito além do que poderiam ter imaginado. E perfeito em cada detalhe. Não possuíam a fórmula do amor, mas apenas um fazia ao outro tudo aquilo que o outro ama e passou a amar mesmo sem saber, e fazia naturalmente por ser parte de ser quem esse um era. E vice-versa. E não posso narrar o fim da história, dado que das pessoas que eu seria nela, não sou os amigos no futuro.
Estavam de fato destinados, por alguma força superior, a serem felizes juntos. Logo ela, que não acreditava em destino. Logo ele, que jurava que o destino não ia com sua cara. Destino ou não, as coincidências traçaram uma oportunidade. 

E o que é a vida se não oportunidades?