O fundo do poço é um vale escuro e rochoso, aonde vem deitar as águas da vida.
Elas descem, sem maior esforço, vindas da nascente sonhada. Bem no topo dos anseios.
E, conforme imaginamos, o topo se eleva. Põe-se distante, proporcional às nossas ambições.
Geralmente, é difícil avistá-lo. Não surpreende: estamos mais acostumados a nos queixar do relevo acidentado do vale, de como as águas da vida fizeram poças que nos cercam e até banham dependendo de quanto tempo passamos ali, no fundo. Daí, a querer enxergar um sonho, parece impossível.
Mas o fundo do poço te dá as respostas. O vale pode ser feio, úmido, escuro, mas com razão de ser. O pouco de luz que nele bate reflete na água. E a água então brilha, e chama a atenção do passante e do imerso: a quem ousar ter curiosidade de olhar, verá, antes de qualquer coisa, a si mesmo.
Sim, a luz procura a água, que desenha tudo em reflexo, com o bônus de um brilho adicional, e talvez seja o brilho proposital! É pra aquele que jamais pôde imaginar-se assim, envolto em brilho. O reflexo pede pra que não mais apenas nos olhemos, mas olhemos procurando este brilho ali tão pertinentemente imposto. Se a luz o impõe à água, por quê não o impomos a nós mesmos?
Eis que, dado um tempo de reflexos e reflexões, é possível aos mais corajosos notar que o brilho na água não está sozinho; ela também reflete cores. Cores de um campo verde e florido, não lá exatamente distante do vale. Na verdade, são poucos passos.
A falta de costume de levantar a cabeça cega os viajantes, que fazem das águas do vale sua areia movediça.
Então os mais corajosos se pegam maravilhados. Questionam como tamanha beleza era possível, ainda mais tão próxima a um vale que sempre lhes pareceu sinistro e intransponível.
Atraídos magicamente, erguem passo e sobem a leve inclinação, bem motivados. Acham o campo, deixam-se cair sobre as folhas e sentem os aromas das flores. Sentem paz. Notam as águas escorrendo pelo desfiladeiro, cortando o campo. Mais agitadas que no vale, porém ainda calmas. Olham pra cima e de repente choram de emoção: a nascente estava mais próxima. O suficiente para planejar uma rota até o topo.
Mas, cedo ou tarde, chove. E as águas se tornam vorazes, devoradoras. Carregam tudo. E até os mais corajosos, eventualmente, são carregados e devolvidos ao vale. O fundo do poço aguardava-os, certo de que ninguém monta acampamento eterno em grandes alturas.
Ainda assim, a luz ainda gera o mesmo reflexo. E os corajosos, novamente, podem tentar outra escalada. Vez a vez, chegando mais longe e enfrentando cada vez maiores inclinações, e águas mais brutas.
A cada novo recorde, um sorriso mais largo. E a vontade de viver renovada. Capaz de suportar mais vales, capaz de suportar mais chuva. Até atingir o topo dos anseios.
E uma vez ali, feliz quem chega, ainda anseia mais. Então se dá conta: a vida é uma cordilheira. Pra cada topo, um vale. Pra cada vale, um novo topo. E aos corajosos, a escalada.
Recado de Beto Guedes
Há 3 anos